terça-feira, 10 de novembro de 2009

Análise do conto "Um moço muito branco"

ROSA, Guimarães. Um moço muito branco. In: ROSA, Guimarães. Primeiras Estórias. – 1. ed. Especial. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2005. (Col. 40 Anos, 40 livros/ pp. 139 à 144)
Por: Giomara Gomes e Ivânia Rocha

Um moço muito branco é um dos contos do livro “Primeiras Estórias”, do escritor mineiro João Guimarães Rosa, um dos mais curtos, por sinal, com apenas seis laudas. Similar aos outros contos quanto à linguagem, mas diferindo daqueles no que tange à temática, que faz menção a elementos sobrenaturais; também se diferencia das outras estórias por trazer, com exatidão, data e local dos acontecimentos, o que não é comum na obra do referido autor.

A ambientação da estória é, notadamente, um ambiente rural, de fazendas, de sertão: mata, rio, montes, rochedos – elementos que fazem parte da realidade do escritor. As personagens são também características: os fazendeiros, o escravo alforriado, o padre e a moça triste, embora o moço muito branco destoe um tanto do restante. Um outro personagem, o cego pedinte, é também recorrente na prosa de Guimarães Rosa, embora nesse conto específico ele não desempenhe o papel profético que lhe é atribuído nos outros textos (A hora e a vez de Augusto Matraga – Sagarana; ou em Cara-de-Bronze – No Urubuquaquá, no Pinhém/ Corpo de Baile), uma vez que nesse texto, o autor da premonição é o negro José Kakende.

O conto de João Guimarães Rosa é iniciado fazendo referência a uma imensa tempestade, semelhante ao dilúvio retratado na Bíblia:

“Dito que um fenômeno luminoso se projetou no espaço, seguido de estrondos, e a terra se abalou, num terremoto que sacudiu os altos, quebrou e entulhou casas, remexeu vales, matou gente sem conta; caiu outrossim medonho temporal, com assombrosa e jamais vista inundação, subindo as águas de rio e córregos a sessenta palmos da plana [...] só escombros de morros, grotas escancaradas, riachos longe transportados, matos revirados pelas raízes [...]” (ROSA, 2005. p. 139)

Em um moço muito branco, surge um mistério após uma tempestade. Um fenômeno luminoso se projetou no espaço, seguido de estrondos e tremores de terra. Porém da assustadora tempestade, onde foram destruídas casas e vales, surge um homem muito branco, que de tão branco parecia ter por dentro da pele uma segunda claridade. O narrador nos faz entender e comparar essa tempestade com o dilúvio e esse moço muito branco que apareceu nessa comunidade para trazer um pouco de luz para as pessoas, com o Messias que veio ao mundo para nos livrar do pecado.

O tal moço possuía distintas formas, mas em lastimáveis condições, vestido como um maltrapilho, o qual ninguém sabia de onde veio e de quem se trata, ele não fala nem tem memória, mas tem em suas mãos um poder muito grande de transformar a vida das pessoas que se aproximam e são tocadas por ele.

O fato de que todos se transformam diante da presença do moço muito branco, nos faz imaginar que se trata de um ser especial, enviando de outro planeta ou do plano divino. Todas as pessoas da comunidade gostaram dele, principalmente Hilário Cordeiro, o senhor que lhe deu roupas, alimento e abrigo. Duarte Dias, homem “maligno e injusto”, pai da bela moça Viviana, foi quem menos teve afeição por ele.

Mais adiante, o narrador evidencia o poder curativo do messias que, vendo nos olhos de Viviana uma profunda tristeza, ele tocou com a palma da mão em seu seio, e a partir desse momento, a alegria tomou conta de seu coração. O narrador sempre nos leva a associar o conto com alguma passagem da Bíblia, semelhante às curas realizadas por Jesus, como na passagem em que este toca uma mulher encurvada no templo e ordena que ela se levante e siga.

É um conto muito belo, e que traz a questão do mistério, do impalpável, do desconhecido, como em outros escritos do autor; inclusive se assemelhando um pouco com o episódio de Sagarana, denominado “A hora e a vez de Augusto Matraga”, no qual é retratada a ascensão e queda de Augusto, que se transforma, após o sofrimento e termina a história como santo. Também em Grande sertão: veredas, Guimarães Rosa deixa sempre presente a questão da religiosidade, através dos mistérios e dos “acontecidos” que Riobaldo não conseguia explicar por meio da razão.
Tudo muda na vida daquele senhor que recebeu em sua casa o moço muito branco, que nada dizia ou fazia de muito árduo, mas que, de alguma forma, influenciava nas decisões todas que eram tomadas na fazenda do seu anfitrião.

É perceptível que a cor do homem não foi escolhida ao acaso, como aliás tudo em Guimarães; a alvura da pele retratava a sua pureza a sua aura interior; não que isto seja um preconceito, pois o inverso não ocorre com a cor preta, uma vez que, na própria estória, o negro José Kakende, como anunciador do acontecimento, é a pessoa mais próxima do messias e também é aquele que parece melhor compreendê-lo.

O caso da profecia de José Kakende, escravo “meio” forro e aparentemente um tanto desvairado, merece atenção especial; pois o referido negro, que afirmara ter tido uma premonição de tudo o que sucederia, é como se fosse um dos profetas que previram a vinda de Jesus, muito tempo antes deste encarnar neste Planeta.

A luz que trouxe a tempestade pode ser associada a um ovni, embora o autor não afirme isso, mas fica evidente, outrossim, que o moço muito branco não pertence a esta dimensão. Em um dado momento ele se encontra com o cego que pede esmolas à porta da igreja, e dá a este uma semente, que o cego tenta, em vão, comer; passado algum tempo, a semente é plantada e dela surge uma planta exótica, que produz flores de rara beleza e de diversas cores, mais uma evidência de que o moço muito branco era uma criatura vinda de um lugar eqüidistante e provavelmente mais evoluído que a Terra, pelos dons do visitante.

O moço muito branco trouxe paz e alegria para todos que se aproximavam dele; inclusive para Duarte Dias, que havia implicado com aquele inicialmente; e que mais adiante também se renderia à sua energia luminosa, que irradiava de seu interior ao seu semblante e adjacências.

Da mesma forma misteriosa que surgiu, o moço muito branco desapareceu; de modo que José Kakende afirmara que o messias ascendera ao céu, por não pertencer a esta dimensão. Essa passagem lembra também a volta triunfal de Cristo, após a crucificação, como prova de que as pessoas não são apenas matéria; é isso que nos transmite Rosa, ao trazer essa natureza mágica a seus contos: é como se o autor quisesse, propositalmente, provocar o leitor a refletir sobre os mistérios da vida, as sendas, o inexplicável.

Ademais, o conto nos faz um convite irrecusável à espiritualidade e à reflexão; é como se o autor brincasse com a nossa ignorância e incredulidade diante de certas questões que o nosso raciocínio lógico ainda não alcança.

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